Desafiando o paladar em Myanmar
Desafiando o paladar em Myanmar

Myanmar? É de comer?

Meu nome é Gabriella Geminiano Raw e voltei do Myanmar onde estava realizando um intercâmbio social por meio da AIESEC Brasília.

Shwedagon Pagoda
Shwedagon Pagoda

Myanmar? É de comer?

Não que eu saiba.

No dia 1º de dezembro de 2014, estava sentada sozinha dentro de um avião à destino da minha primeira viagem internacional. Ninguém me apoiou. Minha EP Manager falava que eles nunca tinham enviado alguém para lá e que não encontrava na rede também. Me perguntavam se eu estava louca e eu dizia que tudo iria dar certo. Alguns me perguntavam o porquê da minha falta de interesse nos Estados Unidos. Eu respondia que o meu interesse em viagens sempre foi muito mais além do que compras e status.

Cheguei no dia 3 do mesmo mês. Foram 3 conexões em 40h de viagem (período mais curto disponível) e um fuso horário de 9h30 a mais do que minha cidade natal. O aeroporto tinha um carpete velho no desembarque e cheiro de mofo. Havia uma fila enorme, generais armados por perto enquanto oficiais conferiam o visto. Busquei minhas malas e as borboletas no estômago já eram parte de mim.

Ao sair, uma fila de pessoas esperando o desembarque de outras. Avistei uma membro com um papel A4 escrito “AIESEC” e fui a seu encontro. Ela disse que eu estava atrasada. Eu, simpática, expliquei como nada havia sido culpa minha. Entramos em um táxi. Todos falavam a língua oficial: birmanês. Um alfabeto completamente diferente, uma fonética mais ainda. Mas o maior estranhamento era ela descer do táxi e pedir pra eu seguir até a minha (agora) casa.

Congelei […]

[…] Até o taxista começar a falar em inglês. Que alívio! Não era fluente, mas era todo o conforto que eu precisava para a minha primeira impressão do país começar a ser construída.

Ele parou num bairro estranho, sujo, num prédio de, aparentemente, poucos andares. Mas eram muitas escadas para as minhas malas de 30kg.

Incrível como pessoas podem não falar a mesma língua, mas quando se trata de ajudar o próximo, isso se torna uma “língua” mundial. Já comecei a adjetivar os birmanês desde aquele momento: gentis, amigáveis, receptivos.

Um dos membros da nova AIESEC estava ali para me receber. Era um alemão, que me apresentou para duas mochileiras também alemães. Ele, que era o membro responsável por mim, junto do presidente da AIESEC Myanmar – um austríaco, que chegaria dias depois – moravam ali.

Myanmar: O país que ficou parado no tempo

Impossível contar sobre minha história sem falar sobre o país. Myanmar, a antiga Birmânia, é um país do sul asiático que se encontra, geograficamente, ao lado da Tailândia. Infelizmente, nem eu tenho tanto conhecimento sobre o país, já que as mídias se contradizem e são pobres em notícias sobre o mesmo. Não é um país que tem atenção do próprio continente, imagine do mundo!

Talvez, pela primeira vez vocês ouviram falar sobre esse lugar “exótico” nas principais mídias sociais nos últimos meses. Isso porque, pela primeira vez, em décadas, eleições foram feitas. Busco constantemente informações sobre lá, mas uma das minhas únicas certezas é que há muitos conflitos de forças armadas e conflitos religiosos. E que é um país que, além de tudo isso, abriu suas portas ao turismo apenas em meados dos anos 2010.

Isso mesmo! Pense em um país até então sem Coca-cola ou celular! Agora tem! Mas sem Mc Donald’s …

Templo em Myanmar
Templo em Myanmar

Como sobrevivi?

Eu era consciente de tudo isso. Havia lido muito sobre e estava no meu destino. Yangon, a antiga capital, me surpreendeu. Digo às vezes que não tive choque cultural, mas porque estava realmente aberta para viver e absorver tudo o que conseguisse.

Sozinha, com um mapa na mão, comecei a andar em todos os lugares possíveis. Comecei a sair com o austríaco e o alemão e, na minha primeira semana, semana do meu aniversário de 20 anos, já havia ido a uma house party com pessoas de diversos países (muitos pelo programa GIP da AIESEC), ido a um show de uma banda conhecidíssima alemã, ido a bares, restaurantes, etc.

Não vou mentir. Nem tudo é incrível. Via pombos e ratos todos os dias nas ruas. Baratas correndo por pratos em alguns restaurantes. E ainda fiquei um mês doente.

Não importa. Isso não me parou. Visitei diversos templos, tive uma saída informal com meus alunos (do projeto incrível que fiz), visitei Buddha em todas as posições possíveis, fiz amigos em bares, restaurantes, condomínios, festas, hotéis e pela internet. Nunca me senti tão viva. Nunca havia me sentido tão eu mesma. Parecia que ali, distante de todos, eu podia ser eu mesma.

Passei de uma menina que não comia algo por ter um pedaço de cebola aparente para uma mulher que comprava comida na rua de uma moça que preparava tudo na mão. Em 3 meses, parece que vivi mais do que nos outros 19 anos e 11 meses de vida.

Aventura? Sim, por favor

Incrível como quis sair da minha zona de conforto e consegui. Entretanto, fiz outra sem perceber. Essa era composta de amigos que chamei de família e sinto falta até hoje.

Mas, falando sobre momentos… Bom, estive aberta a todas aventuras que conseguia, mas vou me concentrar na mais interessante: a virada do ano 2014/2015. Eu e 3 amigos (um alemão, uma birmanesa e um belga) decidimos viajar pegando carona para poder passar o ano novo (comemorado por nós, ocidentais) na praia. Compramos fogos de artifício, champagne rosé, balinhas alemães e pegamos a estrada…. PEDINDO CARONA.

O resultado foi incrível. Quando chegamos ao mar, eu não conseguia parar de sorrir por um único momento. Para acrescentar, ficamos em uma festa de um hotel maravilhoso, com pessoas incríveis e depois fomos para um hotel com Polonesas, Peruanos e Turcos que conhecemos por lá.

Mas por que eu fui mesmo?

Para fazer um trabalho voluntário que mudou minha vida.

Como eu era a única intercambista naquele período, pude escolher exatamente onde queria atuar. Pedi para que eles me explicassem e falei que me sentia mais à vontade com aulas para crianças – não só pela minha experiência profissional prévia, mas por me desiludir sobre meu nível de inglês depois que comecei a me comunicar com eles.
Ainda bem!

Cheguei numa quarta-feira ao país e ao sábado já estava acordando bem cedo. Uma birmanesa, membro da AIESEC, em trajes fofíssimos, me acompanhou no meu primeiro dia. Eu estava tão insegura! Foram horas de trânsito até o ponto de encontro. Para eu perceber que ali era apenas o lugar em que a van com o motorista dos monges daquele mosteiro iria me buscar.

Sim! Eu, que sempre cresci ouvindo falar sobre apenas um deus, em um mesmo dia, vivenciei crenças completamente distintas e ESTAVA À CAMINHO DE UM MOSTEIRO.

Aulas de inglês para crianças em um mosteiro
Aulas de inglês para crianças em um mosteiro

Fui muito bem recebida pelo Monge e por todos. Enquanto tirava meu sapato para poder entrar na casa, quis reverenciá-lo. Ele riu e disse que não precisava. Não fazia o menor sentido já que eu não acreditava no porquê daquilo.

Projeto Build Your Dream

Então, resumindo: eu estava ali para, durante os fins de semana, dar aulas de inglês em um mosteiro para crianças carente de um vilarejo sem eletricidade perto de Bago, Myanmar.

Aulas de expressões, países, cores e pronúncia. E via roupas sujas. Alturas mais baixas. Sorrisos constantes.

Desde o primeiro dia, me apaixonei por cada rostinho – PRINCIPALMENTE DOS MAIS “BAGUNCEIROS”. Bagunceiros entre aspas porque até a bagunça deles era engraçada ao meu ver. A cultura birmanesa é de total respeito com as pessoas mais velhas, com os monges e também com os professores. Meu choque (de ânimo) cultural foi ali. Apenas.

Projeto Build Your Dream
Projeto Build Your Dream

Antes e depois de todas as aulas dadas, todos os alunos levantam-se e se mantinham de pé durante os próximos segundos em que agradeciam minha presença. “Como eu, um ser tão comum, conseguia ser espelho para tantas crianças?”, eu me perguntava.

Mas quando os 3 meses acabaram…

Foram mais 40h de viagem. E a companhia aérea recebia o mesmo documento, contudo de uma pessoa diferente. Eram 8kgs a mais de barriga, mas milhões de histórias para contar.

Eu podia manter o contato que fosse, escrevesse no meu blog sempre que possível e postar uma foto diferente no instagram todos os dias. Não. Não conseguia contar 0,1% de todas as incríveis histórias e experiências que vivi. Tudo foi intenso. Tudo foi perfeito com todas as imperfeições possíveis. Foram tantos aprendizados, tanto crescimento, tanta imaturidade se transformando em proatividade.

Agora com 20 anos de idade, tendo os 3 meses de maior aprendizado. Não sabia nem o que compartilhar com minha família e amigos. Todos precisam VIVER isso. Ouvir não. Me sentia tão chata em querer falar sobre isso toda hora.
Até o momento do RIS.

E agora? O que fazer? Sei lá. Eu queria poder viajar de novo, mas infelizmente estava longe de ter essa condição financeira. Bom, durante o RIS perguntaram se eu queria entrar para AIESEC. “Nem sei o que é exatamente isso”, pensei. Ainda bem que durante minhas indecisões, eu prefiro dizer um “sim”.

Foi esse “sim” que me fez ir pra Myanmar.
Foi esse “sim” que me fez viver tudo o que eu tinha para viver da forma mais intensa em Myanmar.
Foi esse “sim” que me fez entrar pra AIESEC em Brasília.
Foi esse “sim” que me desenvolveu.

A Gabriella de 1994 até 2014 está apenas em memória. Os valores, amores e amigos podem ser os mesmos, mas estão dentro de uma visão de mundo oposta.

A AIESEC me proporcionou muitas “primeiras vezes” na minha vida. Então, percebi que a AIESEC não é um projeto, um momento de auto-conhecimento ou uma festa com estrangeiros, mas uma plataforma com acesso aberto, medida apenas pela vontade. A AIESEC é desafio.

“A vida começa no final de sua zona de conforto.” – Neale Donald Walsch. Desde então, vivo para fazer com que pessoas também saiam das suas. E esse é meu conselho: provavelmente, após uma viagem tão enriquecedora, certezas surgem de relance e dúvidas navegam mais intensamente. Apenas saiba aproveitar as oportunidades a sua volta.

P.S.: E prestem mais atenção à sua volta. Sem saber, convivi com um AI 13/14 e com a Miss Myanmar. Vou ter que voltar pelo visto.

Por Gabriella Germiniano

Gabriella Geminiano Raw, brasiliense. PM iGCDP TALK e Change Yourself, Change Your Home e OC Log/ Er. Conheceu a AIESEC pela melhor amiga que hospedou uma intercambista e queria fazer um GCDP. Em poucos meses, Gabriella estava com passaporte, visto e passagem em mãos. Sua experiência no exterior começou em dezembro/2014 e acabou em março/2015. Ela não vivenciou tão intensamente a Organização lá fora, mas resolveu se desafiar após o convite da mesma amiga. Foi o melhor “sim” da vida dela. Entrou como membro oGCDP – seu primeiro time tornou-se sua família e inspiração. Dispensou a antiga empresa em que trabalhava. Postulou para PM iGCDP e agora vive intensamente todos os dias tentando conciliar dois projetos, com diversos processos e vida de OC com faculdade. Não se arrepende. E afirma nunca se sentir tão útil e capaz. Hoje ela sabe do impacto que causa graças ao seu trabalho e esforço.

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