Antes de visitar qualquer lugar é comum pesquisar, ver fotos, roteiros, para ter uma noção do que virá. Mas e se no meio dessas pesquisas, assim por surpresa, você se deparar com um lugar surreal que nunca tinha visto? Claro que qualquer pessoa colocaria ele no roteiro, certo? E se você tivesse que rodar uns 100 km a mais? Sem problema né! E se você tivesse que escolher entre acordar às 4 da manhã ou dormir no carro para chegar a esse lugar? Bom, ainda valeria a pena, certo? E se este lugar ficasse a 15 km por trilha de um estacionamento e as únicas opções de hospedagem fossem um camping (ai você teria que levar barraca e todos seus apetrechos) e um Lodge (preços proibitivos), sem restaurantes, nem chuveiros? Mesmo assim, eu não tive dúvidas e para dizer a verdade não considerei a distância … nem a da volta (com direito a extrema subida) na hora de realocar um espaço no roteiro para Havasu Falls.
Depois de pegar muito frio e neve no Grand Canyon em plena primavera de Maio, eu e minha companheira de viagem, resolvemos mudar o roteiro e acrescentar lugares mais quentes e esperar um certo calor antes de partir para Havasupai, afinal são cachoeiras e um calor vai bem.
Ficamos hospedados em uma cidade daquelas de filme, com a estrada cortando ao meio duas partes de lugar nenhum. Arrumei a mochila com tudo que precisaria pelos próximos dois dias, incluindo comida, apetrechos para cozinhar e montar acampamento, mais um litro de água. Saímos de Seligman lá pelas 4 da madrugada, preferimos ter poucas horas de bom sono do que algumas horas a mais dormindo no carro, pois o começo da trilha é apenas um grande estacionamento, nada mais.
Ainda fazia muito frio quando chegamos ao ponto de partida. Estava cheio, algumas barracas montadas no chão duro e dezenas de pessoas se preparando. O lugar é alto, bem alto, o topo de uma colina rochosa sem vida vegetal. O caminho é largo, aberto nas pedras e íngreme. A descida forte dura uns quarenta minutos, e quando se olha para trás fica difícil ver o ponto de partida, tamanha a altura. Durante uma hora o espaço é aberto e então rochas vermelhas começam a subir, dos dois lados, e o leito pedregoso de um riacho seco é o caminho.
São duas horas caminhando pela fenda que só cresce até que uma placa (única) indica o caminho. É no encontro de várias fendas, que o céu se abre e algumas árvores aparecem, um pequeno riacho dá as caras e é ele quem nos mostra o trajeto.
Depois de algum tempo chegamos a vila, lugar amplo e plano. O registro é feito por conta, ninguém o aborda e não há portaria. A atendente indígena, com cara amarrada, pergunta pela reserva. No site é dito que é necessário fazê-la, porém não exclui aqueles que não a tem (as reservas geralmente são para 6 meses), apenas diz que o preço será em dobro. Mas a atendente é cruel e nos diz para dar meia volta, pois tudo está lotado! Voltar no mesmo dia é condenar a morte qualquer ser humano. Depois de muita choradeira conseguimos entrar (mesmo porque não voltaríamos de jeito nenhum) e seguir mais 3 quilômetros de areia fofa até o camping.
Aos poucos começo a ouvir o som das águas, caindo incessantes ao longe e logo avisto a primeira queda New Navajo Falls: verde, clara como a do ovo, com um imenso lago para banho e vazia.
Logo em seguida, corredeiras formam degraus d’água qualhados de algas e logo outra queda, Rock Falls, onde podemos caminhar por detrás do seu véu.
A visão dessas quedas revigora, a vontade é deitar a mochila e se perder nas águas, mas ainda temos mais 1 quilômetro até o camping e até Havasu Falls. Sua visão a direita do caminho de areia é tão grandiosa quanto inesperada, a água corre entre rochas vermelhas e despenca por 30 metros de uma parede com formas bizarras, fruto da passagem de antigas águas.
A imensa piscina natural em forma de cumbuca tem as bordas tão perfeitas que podemos sentar na beira ou mesmo pular de cabeça no seu meio. Dali o rio segue para outras piscinas igualmente lindas.
Chegando ao camping não há lugar marcado, qualquer lugar será sua casa pelos próximos dias. Entre uma vegetação baixa e muita areia, centenas de barracas se espalham ao longo do rio.
Seguindo o fluxo do rio está Money Falls, a maior de todas, com seus 57 metros de altura. Avistar sua imensidão do mirante é um convite a duvidar da própria natureza tamanho o tom azulado que assume o lago que a recebe. Porém descer a seus domínios não é fácil, requer um mini rapel e uma passagem por entre as rochas, terminando em escadas de madeiras onde o fluxo sobe e desce sem qualquer regra. Avistar o gargalo por onde ela despenca, assim de baixo, chega a oprimir, seu spray umedece o ar e lança correntes de vento, uma visão eloquente.
Seguindo mais adiante, cerca de 2 quilômetros, as últimas quedas, Beaver Falls. Apesar de pequenas a sequência desencadeia um cenário surreal, como daqueles filmes de fantasia. É possível andar até o Rio Colorado, mas aí já entramos no cerne de outros seres, chamados aventureiros, aqueles de verdade.
Estar isolado em meio aquela natureza estranha, dormindo no seu chão, ouvindo os pios incessantes vindo das árvores, escutando o ruído intermitente das quedas é como habitar um sonho de horas e horas. Não cansa olhar para as águas tingidas de índigo ou para as rochas bizarramente desenhadas de vermelho, são memórias que praticamente só você terá e que vai se orgulhar para sempre.
Por Cristian Ferrari
Cristian Ferrari é fundador da Creative Design, empresa localizada em São Paulo, que tem como missão criar peças de identidade visual que reflitam o espírito da sua empresa. Como fotógrafo realizou sua 1ª exposição em 2008, recebendo diversos prêmios desde então pelo seu trabalho. É formado em Turismo pela Universidade Paulista e Técnico em Comunicação Visual pela ETEC Carlos de Campos.