Colômbia: a gana de um dos povos mais empreendedores que conheci

Olá, meu nome é Clarice Ferro, e voltei de Santa Marta, Magdalena, na Colômbia, onde realizei meu Intercâmbio Social pela AIESEC Rio de Janeiro.

Meu intercâmbio em Santa Marta, na Colômbia.
Meu intercâmbio em Santa Marta, na Colômbia.

Escolhi a oportunidade de fazer voluntariado no exterior em uma universidade, ajudando-os com seus projetos internacionais e entrando em contato com os alunos de graduação, em dois campos.

Cheguei dia 12 de fevereiro e tive duas, três meninas na recepção do aeroporto, com um cartaz que guardei até hoje: “Welcome to Colombia, Clarice Ferro”, nas cores do país e com bandeiras pintadas. Eram todas membros da AIESEC em Santa Marta e uma delas me hospedaria, sendo a minha host family por 8 semanas.

Aliás, um pouco antes de chegar, a AIESEC entrou em contato dizendo que não encontravam uma família que oferecesse comida vegetariana para mim. Combinamos que eu receberia uma bolsa de suporte, para fazer as minhas compras e cozinhar sem atrapalhar ninguém. Foi uma ótima solução, pois todos os pratos típicos têm frango, peixe ou carne de porco. Ao mesmo tempo, as frutas e as verduras são muito mais baratas – e o país é conhecido por ter mais diversidade nisso do que o Brasil.

Doces colombianos.
Doces colombianos.

No dia seguinte, uma segunda-feira, um outro jovem da AIESEC foi selecionado para ser meu buddy local. Como responsável por me mostrar a cidade, me buscou no ponto de ônibus e me ensinou qual caminho fazer até onde seria o meu projeto. Ele gesticulava para mostrar como pedir para parar e o que eu deveria fazer se me sentisse perdida, porque a minha cara de estrangeira era muito óbvia.

Como eu não falava espanhol, conversava com ele em um inglês básico, por não ser comum os colombianos estudarem inglês como os brasileiros. Isso foi ótimo, porque fui forçada a estudar o idioma deles e, no final da minha viagem, nem ele acreditava como meu espanhol tinha melhorado! Eu tinha adorado a língua e não queria mais praticar inglês. Sinto falta do idioma até hoje, semanas depois de ter retornado ao Rio de Janeiro.

Café y un poquito de spañol.
Café y un poquito de spañol.

Inclusive, comunicar-se efetivamente era um desafio diário. Meu projeto era de 8 semanas no departamento de relações internacionais da Universidad Sergio Arboleda, na função de marketing, eventos e comunicação interna. Meu objetivo era entender um mercado diferente do brasileiro, aprender novas visões de comunicação e conhecer novas práticas.

Na verdade, o setor era tão pequenininho que eu acabei mais colocando a mão na massa, estabelecendo processos mínimos e chamando a atenção para um trabalho que precisava de mais recursos para rodar bem. Como eu fui no meio do semestre, por já ter concluído a universidade e estar livre no mundo, não havia mais intercambistas comigo no trabalho. Bateu medo de estar sozinha? Sim!

Sozinha na Colômbia?
Sozinha na Colômbia?

Só que uma verdade sobre a Colômbia é: não importa se você está sozinha e se eles estranham mulheres sem acompanhantes, sempre vão te estender uma mão e oferecer uma ajuda sincera. Do meu primeiro dia em Bogotá até meu último dia em Santa Marta, sempre fui muito bem recebida, acolhida e cuidada. A generosidade é uma marca forte da população! Mesmo sem entender nada em espanhol, no início, devido ao sotaque forte da costa caribenha, os estagiários do setor de bem-estar universitário sempre estavam comigo, me cumprimentando, perguntando o que eu fiz no final de semana e se sabia chegar em casa. Quando surgia uma dúvida e a chefe estava ocupada, lá íamos nós quatro comer jugo de naranja com dedito de queso e conversar. Os próprios colombianos tornaram a minha adaptação mais leve, fácil e tranquila.

Delícias da Colômbia.
Delícias da Colômbia.

Entre essas perguntas sobre o final de semana, já que eu trabalhava todas as manhãs, compartilhava as viagens curtas que eu fazia e eles riam, dizendo que eu conhecia mais a Colômbia do que eles mesmos. Viajar de ônibus é muito mais barato. Há uma companhia aérea lowcost que também vive em promoção.

Economizava ao máximo e, quando podia, puff! lá ia eu cumprir a minha lista de cidades e lugares para visitar. Bogotá, Bucaramanga, Medellín, Cartagena, Barranquilla, San Andrés, Parque Tayrona, Taganga… De todas as aventuras, as que mais me marcaram foram a Ilha Paraíso Secreto, em Cartagena, e a Ilha de San Andrés. O mar do caribe é absurdamente lindo, límpido e azul claro. O turismo ainda é uma indústria nova no país, devido ao passado estigmatizado pelo narcotráfico e pela miséria social. O mundo ainda está descobrindo cada canto da Colômbia e eu espero que vocês também, porque é o paraíso na terra.

As águas claras do mar do Caribe.
As águas claras do mar do Caribe.

Antes de embarcar nesta aventura, meus familiares e amigos não sabiam muito sobre o país também. Quando eu pesquisava na internet, surgiam as mesmas fotos de sempre. Culturalmente falando, há umas cinco regiões diferentes: a dos cachacos, da região de Bogotá; a dos paisa, liderados por Medellín; a dos costeños, representada por Cartagena; a da zona cafeeira, próxima de Cali; a da costa atlântica, pouco falada, normalmente. Eu vivi a cultura da costa caribenha e sou defensora ferrenha desse povo! Seus ônibus são coloridos e decorados, sua música é diversa e ensinada nas escolas, seu povo é mesclado com negros e indígenas, suas tradições são perpetuadas em festivais e suas ruas se enchem de frutas típicas.

Viver o carnaval de Barranquilla logo no início do meu intercâmbio foi a imersão cultural mais gratificante que tive. Ballenato, reggaeton, salsa, merengue, cumbia, champeta e tantas outras músicas que nem sempre conseguia diferenciar com o meu ouvido gringo. Para além da parte boa de estar inserida em uma nova cultura, também entrei em contato com o machismo, o conservadorismo e a pobreza da região. Não passei por nenhuma violência ao longo dessas semanas, mas o assédio é forte, infelizmente, na cultura latina. Para mim, era um Brasil antes do movimento feminista ser aderido por jovens de todas as idades. Apesar do calor abafado, por exemplo, as mulheres usavam calças, não saias.

Carnaval de Barranquilla.
Carnaval de Barranquilla.

Dos exemplos que essas mulheres foram para mim, o que trago de bom da cultura profissional é o que chamam de gana – força de vontade mesclada com muita garra. O curso de inglês podia ser caro, mas eles corriam atrás para aprender mais; a cidade era pequena e sem muitas oportunidades de emprego, mas eles olhavam as cidades grandes em busca de seus sonhos; o setor podia ser pequeno, mas realizaram feiras com mesas lotadas de parceiros e alunos olhando curiosos; o mundo podia achar que ali só tinha drogas e FARC, mas eles exportam artistas, atletas e cultura; os salários podiam ser baixos, mas eles abriam suas casas para vender comidas, balas e serviços de xerox … Para mim, a Colômbia tem um dos povos mais empreendedores, tanto sobre negócios quanto sobre comportamento.

"A Colômbia tem um dos povos mais empreendedores, tanto sobre negócios quanto sobre comportamento."
“A Colômbia tem um dos povos mais empreendedores, tanto sobre negócios quanto sobre comportamento.”

Eu trouxe essa gana comigo. Ao viajar sozinha, estar em um projeto sozinha, fazer as minhas compras, contar dinheiro todos os dias, ter que priorizar as tarefas e me virar em espanhol, eu percebi muitas mudanças em mim mesma. Perdi o medo de contar apenas comigo mesma, perdi o medo de ser cara de pau, perdi o medo de sair sem saber onde vou parar. Eu percebi como certas amarras são inventadas e, na verdade, eu não estava precisando de mais nada além de curar a minha mente para libertar as minhas asas e voar longe. Meus amigos comentavam que eu parecia muito feliz nas fotos – e estava mesmo. Trouxe essa leveza e a energia renovada. Cheguei no Rio de Janeiro com vontade de colocar os novos planos em prática, rearrumar a vida e recomeçar.

Deixei o passado para trás. Mas, com uma vivência tão intensa de intercâmbio, claro que foi difícil dizer adeus à Colômbia. Eu dizia tanto que não queria voltar, meio brincando, meio sério, que quase que não volto mesmo. Resolvido o problema que tive no aeroporto, comprei o último biscoito no Juan Valdez e embarquei de volta. Quando pisei em terras brasileiras, pensei: por que está todo mundo falando português? É tão triste não falar mais espanhol. Meus olhos estranharam a cidade também e fui invadida pelo caos e pelo trânsito cariocas. No dia, estava tendo um tiroteio perto do trabalho da minha mãe. A gente costuma achar os outros países latinos pobres e violentos, mas esquece que o absurdo de ter ruas fechadas e tiros perdidos a cada semana é algo que acontece aqui, no bairro ao lado. Meu “choque cultural reverso” foi perder a sensação de paz e segurança.

Meu “choque cultural reverso” foi perder a sensação de paz e segurança.
Meu “choque cultural reverso” foi perder a sensação de paz e segurança.

Ainda assim, seguimos adiante. Recém-formada, com espanhol no currículo e novas ideias na cabeça, não busquei emprego logo de cara. Dei-me um tempo para rearrumar o quarto, rever os amigos e tudo o mais. Depois, com a poupança zerada e a necessidade de dinheiro pós-intercâmbio, comecei a montar listas de empresas para mandar currículo ou me cadastrar em seus portais. Fiz uma maratona, risquei os nomes e aguardei retorno. Tive pouquíssimos contatos de volta. Abordei desde empresas da área de educação, que eu gostava, até grandes grupos mais gerais. Comecei a observar quais falavam de liderança e buscavam perfis, não exatamente uma graduação ou experiência prévia. No final de um mês de processos seletivos, fui aprovada para uma plataforma de educação política em outra cidade. Ah, não ter medo de mudanças e de construir o meu caminho foram pontos importantes de aprendizado no intercâmbio. Quando me avisaram que eu tinha sido selecionada, mencionaram que eu tinha um perfil de liderança, inovação e mão na massa. Só pude lembrar da AIESEC. Eu só passei para essa vaga devido a tudo o que coloquei em prática na organização, tenho certeza. Agora, vou começar um novo rumo profissional e, mesmo com medo, vou me permitir voar longe.

Por Clarice Ferro

Clarice Ferro é formada em Produção Editorial na UFRJ. Fez o intercâmbio voluntário pela AIESEC e hoje trabalha como Editora de Conteúdo no Politize!.

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